Metformina na gestação tem impacto no tamanho de nascidos vivos?

O uso da metformina na gestação é alvo de grande interesse por se tratar de uma droga barata, de fácil acesso, relativamente bem tolerada e que potencialmente pode poupar as pacientes com diabetes mellitus gestacional (DMG) ou com diabetes mellitus tipo 2 (DM2) prévio à gestação do uso de insulina ou mesmo auxiliar no controle daquelas que necessitam de altas doses de insulina por apresentarem extrema resistência insulínica. É sabido que a metformina é capaz de cruzar a barreira hematoplacentária, estando presente na circulação fetal. A mesma é considerada categoria B para uso na gestação, ou seja, há estudos experimentais realizados em animais que não demonstraram risco fetal, havendo também algumas evidências em humanos demonstrando não haver risco de malformações fetais.

Leia também: Metformina x sulfonilureia: qual possui menos efeitos cardiovasculares?

No entanto, a grande discussão em torno da metformina é mesmo a respeito de sua influência no crescimento fetal: qual seu impacto nos desfechos gestacionais relacionados à diabetes? E, sobretudo, a metformina poderia causar impactos negativos tais como restrição de crescimento e feto pequeno para idade gestacional (PIG)? E quais os efeitos a longo prazo para os filhos de mães expostas ao uso de metformina (MTF) durante a gestação?

Nos últimos anos, estudos relevantes sobre o tema trouxeram algumas respostas e mais dúvidas. O MiG trial (Metformin in Gestational Diabetes), publicado em 2008 no NEJM, por exemplo, incluiu 751 gestantes com DMG e avaliou como desfecho primário um composto por incidência de hipoglicemia neonatal, dificuldade respiratória, necessidade de fototerapia, índice de Apgar de 5 min < 7 e parto prematuro. O desfecho foi observado em aproximadamente 32% das participantes, sem diferença entre os grupos MTF x não MTF. Vale ressaltar que 46,3% das gestantes do grupo MTF também utilizaram insulina para atingir a meta de controle glicêmico. No MiG, ainda, houve menor ganho de peso materno no grupo metformina.

Em uma metanálise publicada em 2019 com dados de 17 ensaios clínicos randomizados (RCTs), totalizando 2.828 gestantes, o tratamento do DMG com metformina comparado com insulina reduziu o risco de hipertensão gestacional (p = 0,03; RR 0,64; IC 95% 0,44 a 0,95); macrossomia (p = 0,01; RR 0,63; IC 95% 0,45 a 0,90); hipoglicemia neonatal (p = 0,001; RR 0,72; IC 95% 0,59 a 0,88) e feto GIG (p = 0,04; RR 0,82; IC 95% 0,68 a 0,99), além da admissão em UTI neonatal (p = 0,01; RR 0,74; IC 95% 0,59 a 0,88), sem aumentar risco de feto PIG (p = 0,95; RR 0,99; IC 95% 0,69 a 1,42) ou parto prematuro (p = 0,11; RR 1.28; IC 95% 0,95 a 1,73).

O MiG Tofu, estudo de seguimento dos filhos nascidos e acompanhados no estudo MiG, verificou maior risco de obesidade em filhos expostos à metformina.

Na busca de mais evidências sobre o assunto, foi publicado no BMJ Diabetes recentemente um novo estudo de follow-up, que comparou o impacto da metformina no crescimento fetal em mulheres com DM na gestação (DMG e DM2) “naives”, ou seja, que não utilizaram qualquer tratamento medicamentoso na gestação versus pacientes submetidas ao uso de metformina.

Metformina na gestação tem impacto no tamanho de nascidos vivos?

Metformina X Mudança do estilo de vida

Sabidamente, a grande maioria das gestantes com DMG deve atingir um bom controle glicêmico apenas com modificações no estilo de vida, com adequação da quantidade e tipo de carboidratos ingeridos e atividade física. Porém, a ideia por trás desse estudo foi de não apenas avaliar a eficácia de uma terapia add-on mas também comparar com pacientes sobretudo que não utilizaram insulina. O estudo CLUE, realizado pelo mesmo grupo e publicado no início de 2022, observou maior incidência de feto PIG no grupo que utilizou metformina, porém com menores taxas de feto GIG e sobretudo não encontrou maior risco de obesidade, hipoglicemia ou diabetes a longo prazo em filhos de mães que utilizaram MTF. Analisar a metformina em comparação à pacientes que nunca utilizaram insulina poderia trazer diferentes insights sobre o assunto, apesar do potencial para vieses que discutiremos a seguir.

Métodos

O estudo se baseou numa coorte finlandesa, com dados de nascidos de gestação única entre 2004 e 2016. A coorte “metformina” foi composta por 3.964 nascidos vivos e a coorte “naive”, 82.675. Também foram analisados dados de uma subcoorte de crianças expostas a metformina apenas com DMG (excluindo DM2), composta por 2.361 nascidos vivos. Os desfechos analisados foram “grande para idade gestacional (GIG)”  e “pequeno para idade gestacional (PIG)”.

Resultados

Os resultados foram ponderados pelo inverso da probabilidade de tratamento (IPTW), uma análise estatística que, através do estabelecimento de uma “pseudopopulação”, consegue atenuar o efeito de um interferente causal conhecido, encontrando unidades parecidas mas que receberam tratamentos diferentes e, de forma estatística, ponderando-os positivamente para que se tornem “equivalentes” àqueles que receberam o tratamento para que os resultados se tornem mais confiáveis. A utilidade nesse caso é que existe uma alta chance de uma paciente ter recebido a indicação de utilizar metformina, mas não utilizou e vice-versa. Dessa forma, é como se fossem “imputados” os dados de forma ponderada de quem não recebeu tratamento mas deveria e de quem recebeu mas não deveria, a fim de otimizar a comparação entre os grupos.

Saiba mais: Retrospectiva 2022: confira os casos clínicos de destaque

Conclusão

A comparação entre as coortes (MTF x naive) não mostrou diferença nos desfechos principais:

  • Feto pequeno para idade gestacional (PIG): wOR 0,97 (0,73 – 1,27; IC 95%);
  • Grande para idade gestacional (GIG): wOR 0,91 (0,75 – 1,11; IC 95%).

No entanto, na análise adicional realizada apenas em filhos nascidos de mães com DMG (e não DM2), houve uma redução no risco de feto GIG, com um wOR 0,72 (0,56 – 0,92; IC 95%).

Pontos importantes e conclusões

Apesar do método estatístico empregado, este é um estudo sujeito a vieses, sobretudo por se tratar de um estudo observacional onde o critério para se empregar a metformina não fica extremamente bem estabelecido. Logo, não é possível transferir seu resultado para a prática clínica de forma automática por não se tratar de um grande RCT, além do que os benefícios apontados foram modestos, apenas no subgrupo de mães com DMG. No entanto, a principal mensagem e importância deste estudo é de que talvez a metformina não tenha um impacto negativo importante no crescimento fetal, já que não foi observado maior risco de fetos PIGs nessa população.

No momento, a recomendação do uso de metformina na gestação ainda é alvo de muitas dúvidas, não sendo recomendada pela ADA. De acordo com a diretriz da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), é recomendado se restringir por enquanto o uso da metformina na gestação para casos de extrema resistência insulínica (necessidade de insulina > 2,0 U/kg/d), ganho progressivo de peso fetal, sendo contraindicado em casos de gestações complicadas por crescimento intrauterino restrito (RCIU), feto abaixo do Percentil 50 ou em gestantes com doença renal crônica (DRC). A ver os próximos capítulos dessa história, sempre baseados em evidência.


Veja mais beneficios de ser usuário do Portal PEBMED:


Veja mais beneficios de ser usuário
do Portal PEBMED:


7 dias grátis com o Whitebook

Aplicativo feito para você, médico, desenhado para trazer segurança e objetividade à sua decisão clínica.


Acesso gratuito ao Nursebook

Acesse informações fundamentais para o seu dia a dia como anamnese, semiologia.


Acesso gratuito Fórum

Espaço destinado à troca de experiências e comentários construtivos a respeito de temas relacionados à Medicina e à Saúde.


Acesso ilimitado

Tenha acesso a noticias, estudos, atualizacoes e mais conteúdos escritos
e revisados por especialistas


Teste seus conhecimentos

Responda nossos quizes e estude de forma simples e divertida


Conteúdos personalizados

Receba por email estudos, atualizações, novas condutas e outros conteúdos segmentados
por especialidades

Selecione o motivo:

Errado

Incompleto

Desatualizado

Confuso

Outros

Sucesso!

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Avaliar artigo

Dê sua nota para esse conteúdo.

Você avaliou esse artigo

Sua avaliação foi registrada com sucesso.

Autor

Endocrinologista pelo HCFMUSP ⦁ Telemedicina no Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE) ⦁ Residência médica em Clínica médica pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) – Faculdade de Medicina de Botucatu

Referências bibliográficas:
Ícone de seta para baixo

  • Rowan JA, Hague WM, Gao W, Battin MR, Moore MP; MiG Trial Investigators. Metformin versus insulin for the treatment of gestational diabetes. N Engl J Med. 2008 May 8;358(19):2003-15. doi: 10.1056/NEJMoa0707193. Erratum in: N Engl J Med. 2008 Jul 3;359(1):106.
  • Rowan JA, Rush EC, Plank LD, Lu J, Obolonkin V, Coat S, Hague WM. Metformin in gestational diabetes: the offspring follow-up (MiG TOFU): body composition and metabolic outcomes at 7-9 years of age. BMJ Open Diabetes Res Care. 2018 Apr 13;6(1):e000456. doi: 10.1136/bmjdrc-2017-000456.
  • Brand KM, Thoren R, Sõnajalg J, Boutmy E, Foch C, Schlachter J, Hakkarainen KM, Saarelainen L. Metformin in pregnancy and risk of abnormal growth outcomes at birth: a register-based cohort study. BMJ Open Diabetes Res Care. 2022 Dec;10(6):e003056. DOI: 10.1136/bmjdrc-2022-003056.
  • Bao LX, Shi WT, Han YX. Metformin versus insulin for gestational diabetes: a systematic review and meta-analysis. J Matern Fetal Neonatal Med. 2021 Aug;34(16):2741-2753. doi: 10.1080/14767058.2019.1670804.


Read More

Share on Google Plus
    Blogger Comment
    Facebook Comment

0 Comments :

Post a Comment